quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Canteiro



Recolhi os poemas e cartas, minhas canetas e papéis, e os enterrei. Não quero mais. Quero a lembrança doce das palavras, melhoradas pela imprecisão da memória falha. Fico com a ilusão do sonho, do que poderia ter sido, tão melhor do que o que teria realmente acontecido!
Agora no jardim, entre os espinhos das roseiras, há um canteiro de amores-perfeitos, e não posso evitar um sorriso no canto da boca, com a lembrança do que os alimenta.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Passado



E de repente, sem nunca ter sido presente, ele se tornou passado.

domingo, 23 de novembro de 2008

O templo



E ao encontrá-la, ele se retirou para a montanha, e, cinzel na mão, cavou da pedra o seu templo. Esculpiu imagens e palavras na rocha crua, e acendeu velas e trouxe flores em sua honra.

Seu templo era algo íntimo, próprio, particular seu. Não colocou placas nas estradas nem avisos nas cidades. Os que dele sabiam eram aqueles que o flagravam em seu caminho para a montanha, cinzel e martelo nas mãos calejadas. E ela encontrou o templo, e ao passar por ali, não sentiu o calor das velas ou o perfume das flores, e passou. Se por desgosto ou intimidação, nunca soube.

Um dia ela retornou, e ao ver as flores secas e as velas apagadas, perguntou ao vento, num murmúrio, o que havia acontecido. E o vendo carregou sua pergunta para o templo, que se acendeu novamente, as chamas amarelas aquecendo as paredes frias de pedra.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Conforto



Vem, menina, não chore mais. Deixe-me cuidar de você. Deite no meu colo e enxugue as lágrimas na minha camisa, o cafuné é cortesia da casa. Segure a minha mão quando acordar do pesadelo, eu te protejo das agruras do mundo. Te deixo andar de bicicleta, dar voltas no bairro, tranquila de saber que se cair, vai me encontrar com a caixa de curativos na mão, te esperando.

Meu anjo, permita-me te amar, permita-se me amar. Me dê a mão ao por-do-sol, venha discutir as cores das paredes, planejar o final de semana, escolher o próximo filme.

Vamos ver, juntos, o que a nossa história escreve.

Convite



Vem comigo, deixa-me te mostrar um mundo que você não achava possível. Complicado, perfeito, mas ao mesmo tempo, livre, sem regras. Me dê a mão, deixe o medo de lado. O pior que pode acontecer é um tropeço no caminho, o retorno ao início, mas pelo menos não haverá a sombra do "e se...?"

Ou vamos esperar até que seja tarde demais?

Tarde demais



Um dia ela chegará tarde demais. E ela se sentará nos degraus da festa, descalça, imaginando o que poderia ter sido.

Livros



Me cerco de livros, mundos de fantasia, ilusão. Melhores, piores? Diferentes.
Me cansei da mesmice que me cerca, de ver as mesmas histórias se repetindo, de usar o mesmo perfume, as mesmas roupas, das paredes beges e lençóis brancos.

Ao terminar um capítulo, paro, pensativo, os dedos acariciando a borda da folha, e olho para a prateleira. Livros de ciência, de ficção, de história e matemática. Mas o que acontece fora deles? O que se passa do lado de fora da porta? Há algo além da janela? O que acontece ao redor de Bastian, enquanto ele acompanha Atreyu? Não sei. Meus olhos voltam para meus dedos, e, acariciando o papel amarelado, viro a página.

A musa



O poeta de costas, sentado à sua mesa, não se dá conta do que passa. Se fecha em seus papéis e canetas, alheio a tudo e a todos. Rejeita a musa, abandona as cores do mundo, e se prende a seus escritos. Retoma seu texto, tentativas desajeitadas e sem alma - lhe falta algo - a musa? Mas está convencido de que não precisa mais dela, e de que não precisa escrever. Atira a um canto as canetas, entorna tinta nos papéis, fecha o livro.

Mas basta que ela, antes alheia a tudo, lhe dirija um olhar, uma palavra, que lhe mostre que ela ainda existe, para sua certeza de independência se esvaia.

O poeta não supera a musa. Ele a recolhe, e guarda com cuidado junto às outras que o abandonaram. Elas moldaram quem ele se tornou.

Só.



Estar só. Vazio da presença de outros.

Se sentir só. Abstênio de companhia.

Ser só. No isolamento de si mesmo, saber-se só. simples assim.

Em meio à multidão é onde me sinto mais só. É onde sou confrontado com o fato de que existem pessoas ao meu redor, que vivem suas vidas normalmente, e como é evidente a minha inabilidade em me encaixar, em "fitting in". Ainda assim, eu tento. Um dia eu consigo.

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Mares secos



O barco partiu há muito, e o tempo, incessante, passou. A velha âncora, separada de sua embarcação, já não tem mais um propósito, mas permanece, impávida, cumprindo seu papel. Não lhe importa que não haja mais brisa, peixes ou mar.

Não lhe estranha a ausência da tensão da nau puxando, querendo movê-la. Nem considera a possibilidade de ter sido deixada, um monumento ao passado. Ela segue como se barco nunca houvesse visto, como se no mar nunca houvesse mergulhado. Aguarda o olho do viajante, a visão inesperada no mar da planície.

Sua nova função é simples: Assegurar-se de relembrar o viajante de que o mar ainda existe, apenas se mudou, fugiu, esguio. Há outras águas, há outros mares, há mais no mundo que essas planuras de sal. Basta buscar, ou, quem sabe, aguardar que a próxima maré alta traga o retorno do mar que secou.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Largada



Os músculos retesados, a mente afiada, os ouvidos atentos. Cada nervo carregado, pronto para a largada. Nada do passado importa, só o agora, e o que vem pela frente. A estrada que me trouxe até aqui é meu caminho, isso não se muda, e nem quero. Devo ao meu passado o que me tornei. Bom ou ruim, este sou eu.

A estrada à frente é difusa, incerta, acho que preciso de novos óculos. Talvez lentes de contato, mudar, mudar mais, ajustar, até encontrar meu novo domínio.

Impaciente, ansioso, incauto até, não espero o tiro, e parto, vento no rosto, peito aberto, em direção ao futuro que me espera.